Dieta contra a herança genética
Flávio H. Lino O dia foi cansativo, mas compensador. Os homens conseguiram, após andarem 15 km, matar um mastodonte, garantindo carne para todos. As mulheres voltaram à caverna carregadas de frutas e raízes silvestres recolhidos numa manhã do ano 50000 a.C.
Embora vivessem bem menos e estivessem mais expostos às intempéries, nossos ancestrais pré-históricos tinham pelo menos uma vantagem sobre nós ? garante uma corrente da ciência ? no distante Paleolítico: uma dieta mais apropriada a seus genes e a seu estilo de vida. Por conta disso, não são poucos os defensores da idéia de que o homem moderno deveria aprender com os hábitos alimentares de dezenas de milhares de anos atrás, antes de as inovações tecnológicas da civilização introduzirem em sua dieta alimentos desconhecidos de nossos antepassados.
A premissa básica por trás da tese é que nossos genes foram moldados ao longo de centenas de milhares de anos em que o modo de vida da espécie foi quase que exclusivamente o de caçadores- coletores errantes, que viviam do que a natureza lhes dava em estado selvagem. Nesse cardápio não entravam alimentos originados da agricultura e da pecuária, nem os modificados pela indústria. Assim, o organismo humano estaria preparado para a ingestão de uma comida diferente da disponível nas prateleiras dos mercados. Numa outra maneira de ver a questão, o homem foi caçador-coletor por cem mil gerações, agricultor por 500, vive num mundo industrial há dez, e apenas as duas últimas cresceram comendo
fast-food altamente industrializada.
O nutrólogo Stanley Boyd Eaton, da Universidade de Emory, em Atlanta, nos EUA, uma das maiores autoridades em nutrição evolutiva, argumenta que nossos genes estão nos programando hoje da mesma forma como vêm fazendo há 40 mil anos, e que 99,99% deles se formaram antes do advento da agricultura dez mil anos atrás. Dessa forma, assegura, quanto mais comermos como nossos ancestrais do Paleolítico, menos suscetíveis estaremos às ?doenças da civilização?, como os males cardíacos, o câncer, o diabetes.
Segundo o médico Johannes Scholl, do Instituto de Medicina Preventiva de Rüdesheim, na Alemanha, uma das conseqüências de tal descompasso entre genes e dieta é que a resistência insulínica (nível de açúcar mais alto no sangue), uma vantagem evolutiva da raça humana, está se transformando numa desvantagem.
? No Paleolítico, as pessoas às vezes tinham de agüentar fome por dias, e quem melhor conseguia passar por esse desafio era quem tinha resistência insulínica porque o cérebro não pode trabalhar sem glicose. Tal tipo genético tinha uma vantagem de sobrevivência ? explicou ele ao GLOBO. ? Nossos genes são de 60 mil anos atrás, não mudaram, mas o ambiente, a nutrição e a quantidade de atividade física mudaram, por isso a resistência insulínica agora é desvantagem para quem não faz exercícios, causando diabetes, obesidade.
A defesa da dieta paleolítica, no entanto, está longe de ser unânime. Muitos cientistas põem tanta ênfase no estilo de vida quanto na alimentação como receita de uma vida melhor. Para o antropólogo biológico William Leonard, da Universidade do Noroeste, em Chicago, o
Homo sapiens não nasceu para ter um tipo único de dieta e uma característica da espécie é justamente a ampla variedade dos alimentos que consome, do Ártico ao Deserto do Saara. Ele encara a capacidade de criar dietas adaptadas às nossas necessidades como um marco da evolução e num recente artigo na edição brasileira da revista ?Scientific American? decretou: ?O desafio agora é o balanceamento entre as calorias que consumimos e as que queimamos?.